Do abandono divino… reflexões sobre a Páscoa

Thiago Holanda Dantas
2 min readApr 7, 2023

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Cristo na cruz (1660–1670)— Bartolomé Estebán Murillo

…Deus meu, Deus meu, por que me desamparastes?(Mateus 27:46)

Deus abandonando Deus. Por mais absurda que seja a ideia, isso ocorreu. Ali, fora dos muros da cidade de Jerusalém, o Deus encarnado sentiu o desespero, a solidão e o abandono de ser deixado só. O poder de suas palavras foi tão forte que seus detratores confundiram Deus com Elias. Acharam que Jesus clamava por Elias e não afirmando que Deus o havia abandonado (Mt.27.47). Aqueles homens não tinham a capacidade para entender, e nós muito menos, como Deus poderia se afastar, por um minuto que seja, do próprio Deus. Mas assim ocorreu, como Joan Osborne questionava em um hit dos anos 90: “E se Deus fosse um de nós, apenas um preguiçoso como um de nós, apenas um estranho no ônibus tentando fazer seu caminho de casa?

Ele foi um de nós, experimentando a dor e a angústia humana. Sua humanidade foi expressa naquelas palavras e sentida em sua pele e ossos. Durante três horas, de meio-dia até às 3 da tarde, houve um momento de escuridão, um vácuo de Deus. E isso ocorreu não em um lugar qualquer, mas dentro de um corpo humano. Naquele corpo, onde habitou toda a plenitude divina (Cl.2.9), Deus não estava presente. O peso de todo o pecado da humanidade coube naquele corpo frágil e limitado, que não possuía virtude ou beleza (Is.53.2). Esse peso foi tão esmagador que não havia mais espaço para que Deus ali estivesse. Essa ideia parece remeter ao fato de que Jesus entrou neste mundo sem um lugar, tendo que nascer numa manjedoura (Lc.2.7), e agora, na sua partida, não possui lugar dentro do Deus de todo o universo, que tudo abarca, por causa dos mesmos humanos que não lhe deram lugar.

Não me peça para tentar explicar essa ideia com outras palavras, estou tentando usá-las ao máximo, mas veja como uma expressão de fé quase infantil, numa tentativa de jogar um jogo de palavras que ingenuamente tento encaixá-las para formar algum sentido. Não estou sendo ilógico, muito pelo contrário, estou enxergando a limitação das palavras para falar a respeito deve evento único. Wittgenstein disse certa vez que aquilo que não se pode falar deve-se calar, e nesse momento, estou tentando expressar o indizível, então peço perdão por qualquer erro teológico. Mas Deus, naquele instante, deixou Deus para que você e eu pudéssemos ser um com Ele. E desse abandono Divino nasceu a mais poderosa presença, porque Deus amou o mundo de tal maneira, que entregou o mais precioso bem que um pai pode ter — seu filho, para que todo o que viesse a crer Nele, pudesse ter vida abundante e eterna (Jo.3.16).

Feliz páscoa!

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Thiago Holanda Dantas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2